O ROUBO DA COROA DE NOSSA SENHORA
— Roubaram a coroa de Nossa Senhora!
Juca entrou na sala de catequese da Igreja Nossa Senhora de Fátima, correndo e lançou essa bomba, para que todos ouvissem. No mesmo instante, todas as crianças começaram a falar ao mesmo tempo, não se entendo nada do que falavam. Em resumo, todas estavam querendo saber como havia acontecido esse roubo.
Estavam no meio do mês de maio, dedicado tradicionalmente a Nossa Senhora. Aquela turma de catequese seria, naquele ano, a responsável pela coroação de Maria em uma missa solene, no último dia do mês.
Quando a algazarra causada por aquela notícia diminuiu, algumas perguntas puderam ser ouvidas, enquanto algumas meninas choravam de tristeza, os meninos expressavam revolta com aquele desrespeito e a catequista permanecia sentada, incrédula como que ouvira.
— Como isso aconteceu?
— Já sabem que roubou?
— O que vamos fazer?
— E agora? Não vai mais haver coroação!
A catequista, sem condições de continuar a sua catequese, dispensou a turma e foi para a secretaria paroquial tentar conseguir alguma informação. As crianças foram saindo aos poucos, em pequenos grupos, conversando animadamente sobre o acontecido.
Juca, o garoto que havia trazido a notícia, estava voltando para casa com seu primo Tiago e com um casal de irmãos, Sofia e Pedro. Assim como todos os outros catequisandos, discutiam o roubo e sobre o que poderiam fazer para encontrar a coroa e garantir a coração de Nossa Senhora no final de maio.
Pedro teve uma ideia.
— Vocês se lembram, no ano passado quando entraram na igreja de madrugada e roubaram os cálices, as patenas e os castiçais? Onde eles foram encontrados?
— Sim! — responderam os outros três. E Tiago concluiu:
— Em um ferro velho. Foi vendido pelo ladrão por uma merreca, só para comprar drogas.
— É verdade! — disse Sofia. — E o mais triste é que o rapaz que roubou tudo aquilo tinha feito a Primeira Comunhão uns anos antes e sabia onde tudo ficava guardado.
— E morava ao lado da Igreja — acrescentou Juca. — A nossa catequista, Marcinha, disse que havia sofrido muito quando o garoto estava na catequese, pois faltava muito, fazia bagunça, atrapalha a catequese e quase não ia a missa. A Marcinha foi conversar com os pais sobre o comportamento do filho, mas eles nem quiseram saber. Disseram que era problema dela e da igreja e que elas é que deveriam resolver. Depois que descobriram que o filho tinha roubado a igreja, ficaram com tanta vergonha que mudaram de bairro.
— Eu não entendo porque a Marcinha deixou que ele fizesse Primeira Comunhão! — falou Sofia, com uma expressão de indignação no rosto. — Ele não estava preparado para receber Jesus na Eucaristia.
Juca falou:
— Ela me disse que deixou que ele fizesse a Primeira Comunhão, porque esperava que a graça de Deus agisse nele. Mas ele nunca mais voltou para a igreja e logo depois já estava fazendo amizades com outros garotos como ele e usando drogas.
— Quando soube que ele estava usando drogas — disse Pedro —, meu pai comentou que ele não era totalmente culpado, mas sim os pais e os padrinhos dele. Meu pai disse que se os pais tivessem educado o filho na fé, ensinado a orar e a respeitar os outros, ele seria diferente. Mas eles nunca iam à igreja e somente a mãe apareceu na Primeira Comunhão do filho, chegando atrasada e atrapalhando a missa quando tirava fotos e pedia poses para o filho. Os padrinhos também não frequentavam nenhuma igreja. O padrinho era amigo de bar e ficaram bebendo na manhã da Primeira Comunhão para comemorar. Acreditam?!
— Eu lembro desse dia. — acrescentou Sofia. — Meu pai disse ainda que os pais não ensinaram um outro caminho para o filho e ele acabou ficando sem opção na vida. Sem orientação e sem uma referência de fé, foi levado pelo mundo e acabou se perdendo.
Juca, com olhar triste, falou:
— A gente precisa orar por ele. Não foi isso que Jesus ensinou? “Amar os inimigos e orar pelos que nos fazem mal”.
Sem nada dizerem, os outros três balançaram a cabeça afirmativamente. Pedro então, voltou ao assunto do roubo.
— Vamos nos dividir em dois grupos. Eu vou com minha irmã até o ferro velho da rua da padaria e vocês dois vão naquele grandão na rua do rio. Depois a gente volta aqui para a praça e vamos conversar sobre o que descobrimos.
Juca e Tiago foram para um lado e Sofia e Pedro para o outro.
Menos de meia hora após irem aos ferros velhos, estavam de volta à praça, tristes, pois nada encontram.
— E agora? — era a pergunta que os quatro se faziam.
A coroação de Nossa Senhora estava comprometida e todo o ensaio que haviam feito desde março não valeria de nada.
Sentados em um banco da praça, os quatro amigos não diziam uma única palavra. Um estava com o olhar perdido, outro mexia com um graveto o calçamento, como se estivesse escrevendo, outro abraçava as pernas colocadas sobre o banco e escondendo o rosto entre os joelhos, e a menina olhava para o céu, como se estivesse esperando um sinal. Ficaram ali, em silêncio, por longo tempo, até que Sofia exclamou com alegria:
— Vamos perguntar à Valquíria!
Os três garotos acharam estranha aquela proposta, pois não viam nenhuma conexão entre o roubo e a Valquíria.
— Quem é essa Valquíria? — perguntou Juca. — A única que eu conheço é aquela senhora cega que canta na igreja aos domingos.
— É ela mesmo! — confirmou Sofia.
— E como ela vai poder nos ajudar se não enxerga nada? Vai ver que ela ainda nem sabe que a coroa de Nossa Senhora foi roubada.
— Sim, — disse a menina. — Mas eu soube que ela tem visões de Nossa Senhora e conversa com ela como se fossem amigas.
— Tá brincando?
— Vocês não acreditam?
Nenhum dos três teve coragem de dizer sim ou não.
— Se vocês não acreditam e não querem ir, eu vou sozinha. Acho que vocês estão com medo de falar com a Valquíria!
Indignados por serem taxados de medrosos, os três concordaram em ir com Sofia, que esboçou um sorriso de superioridade e vitória. E disse:
— Meninos! — e fez um som estranho com o nariz e a boca: hum.
Quando chegaram à casa de Valquíria, a irmã os levou para vê-la.
— Valquíria, querida, você tem visita!
— Visita, para mim? Mas quem será?
— Podem entrar! - falou sorrindo a irmã de Valquíria.
— Mas me digam, — perguntou a cega — quem está aí?
Sofia foi a primeira a dizer:
— Eu sou a Sofia, da igreja, vim com meu irmão e dois amigos para fazer uma pergunta à senhora. — e dizendo isso, tocou a mão de Valquíria, que a segurou e puxou-a para si, para dar um abraço, que foi retribuído com carinho pela menina.
E os três foram se apresentando:
— Eu sou o Pedro, irmão da Sofia.
— Eu sou o João, mas todos me chamam de Juca.
— Eu sou o Tiago.
E aos três, Valquíria cumprimentou e abraçou.
— Mas qual a razão dessa visita tão especial e inesperada?
Sofia logo respondeu:
— A senhora soube do roubo na igreja?
— Roubo? Meu Deus, que coisa horrível! Eu não soube de nada. O que roubaram.
Desta vez, Tiago adiantou-se para responder:
— Roubaram a coroa de Nossa Senhora.
Valquíria ficou horrorizada com a notícia.
— Minha Virgem Maria, eu nem acredito! Como é que alguém pode fazer uma coisa dessas, ainda mais neste mês de maio, mês de Nossa Senhora...
— Por isso viemos aqui.
— Mas o que é que eu posso fazer? Só saio de casa para ir à missa... não sei de nada...
— Mas eu soube que a senhora vê Nossa Senhora.
— Sim, menina, eu às vezes tenho visões da Virgem Maria e ela sempre me pede para orar pelos pecadores. — Após uma breve pausa, Valquíria continuou: — é por isso que vocês vieram? Para pedir que eu reze por quem roubou?
Ao ouvirem o que Valquíria falava, os quatro ficaram sem saber o que dizer e olhavam uns para os outros. Foi Sofia quem quebrou o silêncio.
— A senhora não pode perguntar a Nossa Senhora quem roubou a coroa dela? Porque sem a coroa, não haverá coração no final do mês. — e assim falando, Sofia começou a chorar baixinho.
Valquíria estendeu a mão e encontrou o braço de Sofia. Puxou-a para perto de si e a abraçou, dizendo:
— Calma, Sofia, calma! Não chore! Tudo vai se resolver!
— A senhora vai perguntar a Nossa Senhora...?
Valquíria sorriu e disse:
— Não é assim que funciona. Eu nunca sei quando a Mãezinha vem falar comigo. Às vezes ela fica meses sem aparecer. Mas se ela me aparecer nesses próximos dias, eu perguntarei.
— Muito obrigado, dona Valquíria!
Os quatro ainda ficaram cerca de meia hora conversando com Valquíria, que contava histórias muito engraçadas, tomando limonada. Quando partiram, estavam felizes por conhecer aquela mulher cega e que, apesar da escuridão diante de si, tinha a graça de ver a Mãe de Jesus e demonstrando muita alegria em viver. Concordaram os quatro que iriam voltar mais vezes para conversar com a mulher.
No dia seguinte, voltaram à casa de Valquíria, esperançosos por uma resposta. Sofia, não contendo a curiosidade, mesmo antes de cumprimentar a cega, perguntou em alta voz:
— A senhora conseguiu conversar com Nossa Senhora?
Valquíria riu diante da ansiedade da menina e chamou um por um dos amigos e os cumprimentou, já tendo guardado o nome de cada um e os reconhecendo pela voz. Finalmente, respondeu:
— Não, a Mãezinha não me apareceu.
— Ahhhhh! — exclamaram os quatro, como se tivessem combinado.
— Mas eu tive um sonho....
Os quatro ficaram paralisados com essa frase incompleta.
— E....? — fez Juca.
— Vocês querem saber o que sonhei?
— SIM!!!!! — disseram, uníssonos.
— Então sentem-se, para eu lhes contar.
Sofia sentou-se ao lado de Valquíria, mas os meninos sentaram-se no chão bem em frente da mulher, que começou a narrar seu sonho.
— Eu estava andando por uma estrada de terra e eu enxergava tudo. No sonho, eu não era cega. Estava procurando algo. Havia uma estrada pavimentada que passava perto de onde eu estava, mas no sonho eu ouvia uma voz que me dizia: “Vá por esta estrada de terra e nunca pelo asfalto, caso contrário, você não encontrará o que procura. Eu passava por sítios e fazendas, vilarejos, algumas casas solitárias, um lago e também uma bela casa com um capim alto e dourado como eu nunca vi antes, e também via pessoas trabalhando no campo. De repente, parei em frente a um casebre muito mal cuidado, com a velha pintura descascando e as paredes rachadas. Mas havia gente morando ali. Lembro-me de duas meninas pequenas, muito mal vestidas e sujas. Então, apareceu um homem enorme e muito feio e descabelado, sujo como as meninas, com roupas rasgadas. Ele sorriu para mim com cara de mal e me disse: “Eu nunca vou te dizer onde está o que você procura”. Ele avançou para cima de mim, eu gritei e, quando ele foi me segurar, acordei... graças a Deus!
— E o que este sonho tem a ver com o roubo da coroa de Nossa Senhora, dona Valquíria? — perguntou Pedro.
— Eu também não entendi a relação.
— Nem eu.
— Eu achei o sonho assustador, mas o que isso tem a ver com o roubo.
Valquíria pegou a mão de Sofia e disse, como se olhasse os meninos nos olhos.
— Se vocês quiserem achar a coroa de Nossa Senhora, vão ter de andar muito por uma estrada de terra e não asfaltada, até encontrar o casebre miserável com as meninas. Aquele homem horrível é quem saberá onde está a coroa. E lembrem-se de nunca sair do caminho e tome cuidado com quem vocês encontrarão pelo caminho, pois haverá falsos amigos que vão querer que vocês se percam. É isso!
Os quatro amigos deixaram a casa de Valquíria muito decepcionados. Continuavam sem saber onde a coroa roubada estava. O que fazer agora?
— Eu acho que a gente vai ter que fazer essa caminhada até encontrar o casebre e o homem mal. — afirmou Sofia.
Os outros três confirmaram com um aceno da cabeça.
— Vamos agora cada um para sua casa preparar uma mochila para a viagem, com apenas o necessário. Não esqueçam de levar água e algo para comer. E amanhã bem cedo vamos nos encontrar na praça e fazer a nossa caminhada.
Os quatro amigos se despediram e ansiosos para que chegasse a hora de partirem, foram para seus lares.
Na manhã seguinte, após tomarem o café da manhã com seus pais, os quatro foram para a praça, munidos de suas mochilas, com o mínimo necessário para aquela aventura. Ao se encontrarem, após se abraçarem como se um quisesse dar força ao outro para a empreitada, Tiago apresentou uma dúvida:
— Mas qual será o caminho de terra a seguir. Há pelo menos quatro que eu conheço.
Os outros três se olharam espantados. Como puderem esquecer um dado tão importante? Qual o caminho a seguir. Foi Sofia quem encontrou a solução de tal problema fundamental:
— A Valquíria disse que ela, no sonho, passou por um lago. Ela disse ainda que passou perto de uma rodovia. Só pode ser um caminho que passa perto de uma rodovia, tem vários sítios e casas pobres. Então devemos seguir aquele Caminho do Lago. Vocês concordam?
Com alegria, os garotos concordaram com o que Sofia havia dito e caminharam em direção ao Caminho do Lago com tanta vontade que. em pouco tempo, já haviam chegado ao seu início.
Havia alguns sítios e casas muito bonitas naquele início de estrada, com algum cascalho jogado sobre a estrada para evitar a formação de barro quando chovesse. Porém, à medida que andavam e se afastavam da cidade, o cascalho foi rareando, até que sumiu totalmente, assim que passaram pelo lago. Adiante, a estrada de chão ficava mais deserta e estreita.
— A gente pode dar uma paradinha aqui no lago para descansar e comer alguma coisa, e depois seguiremos o caminho. — propôs Tiago, o que foi aceito por todos. Sentados na grama à beira do lago, os garotos admiravam a beleza da água cristalina daquele lago azulado, surgido há muitas décadas a partir de um areal que havia no local e que foi desativado há anos. Ele tinha um formato irregular, com algumas curvas que escondiam parte dele, sendo rodeado por uma floresta que resistira ao tempo, pela qual, em vários trechos, era cortada pela estrada de terra.
Após comerem uma parte do lanche, estavam se preparando para prosseguir o caminho, quando avistaram um rapazote vindo da curva do lago que ficava escondido, caminhando de forma estranha, como se estivesse fugindo ou se escondendo de algo perigoso. Ele caminhava apressadamente e voltava o rosto para trás a todo instante, como para ter certeza de que não estava sendo seguido. Quando percebeu a presença dos quatro amigos à beira do lago, correu em sua direção, parando, arfando, ao lado deles e dizendo:
— Graças a Deus ele não me viu!
Os garotos ficaram preocupados com o que o rapaz havia dito.
— Que não te viu? O que aconteceu? Você está sendo seguido? Você está correndo algum perigo? Do que você está fugindo.
Recuperando o fôlego, o rapaz, finalmente, respondeu:
— Eu estava pescando do outro lado do lago, pois é mais tranquilo, quando vi, em uma curva do lago, de costas para mim, um Corpo Seco.
— Corpo Seco? — perguntou Juca.
— O que é um Corpo Seco? — quis saber Sofia, visivelmente assustada.
— Eu nuca ouvi falar nisso! — emendou, igualmente assustado, Pedro.
— Eu também não! — completou Tiago.
O rapaz ainda levou um tempo para voltar a respirar normalmente e responder às perguntas dos quatro amigos. Quando o fez, deixou os quatro em dúvida se ele era louco ou mentiroso ou seja lá o que fosse.
— O Corpo Seco é um homem que foi muito ruim, principalmente para a própria mãe e que, ao morrer, nem mesmo a terra o quer. Ele é condenado a vagar pela terra, mas continua morto, e seu corpo vai secando até ficar somente pele sobre os ossos. Por isso é chamado de Corpo Seco.
— Ah, eu lembro de ter ouvido falar dele há muito tempo, quando eu era criança. — disse Juca, parando com um dedo erguido à altura do rosto, como se estivesse se lembrado de algo importante. — Foi um primo do meu pai que contou sobre o Corpo Seco. Ele disse que certa vez estava com amigos pescando em um rio próximo à casa dele e se afastou um pouco para procurar mais minhocas para iscas. Enquanto estava cavando o solo, avistou um Corpo Seco parado próximo ao rio. Mas aquele Corpo Seco não tinha mais pele sobre os ossos. Só havia ossos. Sem ser notado, o primo do meu pai afastou-se, mas quando começou a correr, o Corpo Seco se virou e o viu. E correu em sua direção. Por ser mais leve, corria mais rapidamente e logo o alcançou e subiu em suas costas, agarrando-o. O primo do meu pai disse que ficou tão desesperado e com medo, que caiu no chão e desmaiou.
— E o que o Corpo Seco fez?
— O primo do meu pai não soube dizer. Apenas disse que, quando acordou, estava rodeado pelos amigos da pescaria, que riram do amigo, dizendo que era tudo mentira, que ele deve ter caído no sono e sonhado com o Corpo Seco.
— Mas o que esse Corpo Seco faz coma pessoa que ele encontra?
— Não faz nada. Como era um homem mau, ele só pode dar um susto, pulando nas costas de quem encontra em seu caminho. Parece que já teve gente que morreu do coração quando o Corpo Seco o agarrou por trás.
— Deus me livre! — disse Pedro, traçando um sinal da cruz sobre si, sendo imitado por todos os outros, inclusive pelo jovem que contara a história.
— Vamos sair logo daqui? — perguntou nervosamente Sofia
Nem precisou esperar por resposta. No mesmo instante, pegaram suas mochilas rapidamente e seguiram caminho com passos bem rápidos, afastando-se do rapaz, que seguiu caminho oposto.
Já mais tranquilos, à medida que se afastavam do lago, aos poucos os quatro amigos conversavam sobre o Corpo Seco e, agora, longe deles, a história parecia diferente e eles começaram a rir de tudo.
— Eu acho que eu ia morrer do coração se um Corpo Seco pulasse em minhas costas! — exclamou Tiago, persignando-se mais uma vez, no que foi acompanhado pelos demais.
Continuando o caminho, que ia se tornando mais estreito e com menos cascalho, avistaram uma bela casa, bem diferente das poucas outras pelas quais passaram, que eram bem pobres e mal construídas. A casa era muito bem cuidada, ladeada por um grande e bem podado gramado, com algumas árvores e várias plantas ornamentais em diversos jardins. Pedro foi o primeiro a ver e a chamar a atenção para uma grande touceira de capim dourado, que brotava do chão, próximo a uma grande figueira.
— Vejam! O capim dourado que a Valquíria diz ter visto em seu sonho.
— É verdade!
— Isso significa que estamos no caminho certo.
— É isso mesmo!
— Vamos ver de perto! É um capim lindo e nunca vi algo assim!
Cimo o portão da chácara estava aberto, eles entraram e se aproximaram da touceira do capim dourado. Nisso, surgiu um homem idoso e baixinho, que trazia consigo uma foice. Chegando perto dos garotos, os cumprimentou.
— Bom dia, meninos! Estão perdidos por aqui?
— Bom dia! - responderam juntos.
— Estamos procurando uma coisa que foi roubada e vimos esse lindo capim de longe e viemos apreciá-lo. Foi o senhor que o plantou?
— Não! — disse o velho jardineiro. — Ele nasceu sozinho há cerca de um mês depois que.... depois que...
— Depois do quê? — quis saber Sofia.
Enxugando os olhos com a manga da camisa, o jardineiro falou:
— Depois que a filha do patrão morreu. Tão linda! Tão menina! Foi tão rápido! A madrasta disse que ela caiu doente e, no dia seguinte, morreu. O pai estava viajando e voltou depois que soube da morte da filha. Nem pode participar do enterro. Ninguém foi ao enterro, só a patroa. Ela disse que o corpo da menina saiu do hospital e foi diretamente para o cemitério. Coitado do patrão! Está arrasado!... E com razão...
Os garotos ficaram com um nó na garganta ao ouvirem essa história. Sofia começou a chorar baixinho e os meninos esfregavam os olhos que insistiam em arder.
— Agora preciso trabalhar. A patroa mandou cortar esse capim tão lindo, pois diz que está estragando o seu jardim. Onde já se viu isso! Tão lindo e está... estragando o jardim... Vê se pode tal coisa... Mas é a patroa que manda... Quem tem juízo obedece.
Quando velho jardineiro levantou a foice para começar a cortar o capim dourado, o vento o fez balançar como se fosse um longo cabelo loiro ao vento e pareceu-se ouvir uma voz muito baixa, que se confundia com o vento, como se fosse uma melodia:
— Jardineiro de meu pai, não me corte os cabelos. Minha mãe me penteava, minha madrasta me enterrou, pelos figos da figueira, que o passarinho bicou.
Na mesma hora, o jardineiro baixou a foice.
— Vocês ouviram o que eu ouvi?
— Eu acho que ouvi alguma coisa, mas não tenho certeza do que ouvi. — disse Juca.
— Eu também ouvi o vento, mas parecia uma voz de menina. — falou Pedro.
— Eu também! — exclamou Sofia.
— E eu! — concluiu Tiago.
— Deve ser imaginação... — completou o jardineiro. Ao dizer isso, levantou novamente a foice para cortar o capim dourado e, mais uma vez, o vento soprou e ouviu-se seu murmúrio que parecia dizer:
— Jardineiro de meu pai, não me corte os cabelos. Minha mãe me penteava, minha madrasta me enterrou, pelos figos da figueira, que o passarinho bicou.
— Agora eu ouvi! — disseram os quatro amigos.
— Eu também ouvi e muito bem! — afirmou o jardineiro. — Vou já falar com meu patrão! Alguma coisa aqui não está me cheirando bem.
E largando a foice no chão, correu para a casa e, em instantes, voltava com o patrão e a patroa.
— Aqui, patrão! Tem uma coisa muita estranha acontecendo...
A patroa olhou para os quatro amigos e, com cara de poucos amigos, perguntou:
— E vocês, quem são? Quem deu ordem para entrarem em meu jardim? Espero que não mexam em nada.
— São apenas crianças, patroa, que vieram ver o lindo capim de perto.
— Lindo uma ova! Eu mandei você cortá-lo! Por que ainda não me obedeceu?
— Veja só, patrão! Veja só patroa! Cada vez que eu levanto a foice, eu escuto uma vozinha baixinha soprando em meu ouvido como se fosse o vento. Estão aqui estas quatro crianças que não me deixam mentir.
— É verdade, é verdade! — repetiram os amigos.
— Calem a boca, pirralhos! — ordenou a mulher, visivelmente irada. — Vão-se embora! E quanto a você, seu velho maluco, me obedeça e faça logo o que eu te mandei.
O patrão, pálido e com aparência tão triste, nada dizia, parecendo estar alheio a tudo devido à sua dor. O jardineiro levantou mais uma vez a foice e, quando foi cortar o capim, ouvir-se mais uma vez a voz que parecia vento:
— Jardineiro de meu pai, não me corte os cabelos. Minha mãe me penteava, minha madrasta me enterrou, pelos figos da figueira, que o passarinho bicou.
No mesmo instante, a expressão no rosto do patrão mudou e ganhou cor, como se voltasse à vida.
— Eu ouvi... eu ouvi... — repetiu o homem. — E parece ser a voz da minha amada filha que morreu.
— Você também está ficando louco, querido? — disse a mulher, com um tom de censura na voz, segurando um dos braços do marido. — Você não está bem, por causa da morte da menina. Vamos entrar. Eu vou preparar um chá de capim-limão para você se acalmar. Vamos, meu bem?
O homem, desvencilhando-se das mãos da esposa, disse:
— Meu velho amigo jardineiro, por favor, tente cortar mais uma vez esse capim.
O jardineiro obedeceu ao patrão e, ao levantar a foice, repetiu-se mais uma vez o que ocorrera antes, ouvindo-se uma voz, agora mais forte e mais nítida:
— Jardineiro de meu pai, não me corte os cabelos. Minha mãe me penteava, minha madrasta me enterrou, pelos figos da figueira, que o passarinho bicou.
— Traga uma pá, agora! Vamos cavar este lugar!
O jardineiro foi correndo buscar a pá e a mulher, com expressão perturbada, falou:
— Eu vou entrar um pouco, pois essa história me deixou com dor de cabeça.
O marido segurou a esposa pelo braço com força e lhe disse:
— Você não vai a lugar algum! Fique bem quietinha aqui mesmo.
Pegando a pá que o jardineiro trouxera, o homem começou a cavar e logo encontrou a filha enterrada naquele lugar. Milagrosamente, estava viva! O capim que crescera no jardim eram os seus lindos cabelos loiros.
A perversa madrasta tentou fugir, mas foi detida rapidamente pelos três meninos, que a jogaram no chão e sentaram-se em cima, enquanto ela gritava para que saíssem de cima dela.
O pai, emocionado, abraçou a filha que pensava ter perdido e a apertou contra si, mal acreditando no milagre que havia ocorrido.
— Mas minha querida filha, o que foi que aconteceu? Conte-me tudo!
E a menina contou a história, que todos puderam ouvir.
— Meu amado papai, quando eu era muito pequena, lembro-me de minha falecida mãezinha cuidando de mim com amor e carinho, sempre me dizendo que eu tinha os cabelos mais lindos do mundo, enquanto os escovava. Ela nunca os cortou e me dizia que eu não deveria fazê-lo nunca. Ela também me contava que, quando fui batizada, ela me havia dado a Nossa Senhora para que ela fosse a minha madrinha, para me proteger ao longo de minha vida. Mas para a minha tristeza e a tua, papai, ela ficou doente e morreu. Lembra-se como nós dois sofremos e choramos por tantas semanas. E foi o teu amor por mim e a preocupação comigo que te fez se casar com esta minha madrasta, que na tua frente me tratava com tanto carinho. Você achou que ela era a mulher perfeita para cuidar de mim e me dar o amor de uma mãe. Mas, depois do casamento, quando estávamos sozinhas, ela mostrou quem era de verdade. Eu tinha medo das vezes em que o senhor precisava viajar a trabalho, pois ela me maltratava muito. E dizia que se eu te dissesse qualquer coisa, me colocaria em um colégio interno para ficar longe do senhor, papai. Por isso, eu sofria sozinha. Na tua frente ela era amorosa, mas, quando o senhor não estava perto, era uma megera. N última vez em que o senhor viajou, a figueira estava cheia de frutos e os passarinhos vinham bicá-los para se alimentarem. Ela então teve uma ideia maldosa para me fazer sofrer. Mandou que eu ficasse cuidando da figueira, não deixando que os passarinhos se aproximassem. Eu tentei afugentá-los, mas em uma tarde eu me distraí e um passarinho bicou um figo e começou a comê-lo. Quando a minha madrasta viu que um dos figos estava bicado, ficou com tanto ódio que, aproveitando a saída do jardineiro e da empregada, fez com que eu cavasse um fundo buraco e me colocou dentro. cobrindo-me de terra para que eu morresse sufocada. Mas eu rezei à minha Madrinha do céu e ela me protegeu. Meus cabelos começaram a crescer e sair para fora de meu túmulo na forma desse capim dourado. E quando hoje o nosso bom jardineiro veio cortar meus cabelos sem o saber, eu consegui cantar o canto que vocês ouviram. No começo, saiu muito baixinho e fraco, mas foi ficando mais alto e forte. Ah, papai, que alegria estar com o senhor novamente! Precisamos agradecer ao Senhor Jesus Cristo e à minha Madrinha do céu por este milagre de me salvar das mãos dessa mulher perversa.
O pai não parava de chorar enquanto ouvia o relato da filha. Quando este terminou, o homem levantou-se e, dirigindo-se à mulher, que continuava no chão com os garotos em cima, lhe disse friamente:
— Eu vou chamar a polícia e você vai pagar pelo teu crime, mulher diabólica! Nunca mais eu quero olhar para tua cara dissimulada e nem quero ter qualquer vínculo contigo. Pela tua maldade e engano, sei que o nosso casamento na igreja será considerado inválido. Se fosse em outros tempos, eu te amarraria a um cavalo bravio e o faria te arrastar pelo campo até dilacerar todo o teu corpo. Mas com isso, eu me rebaixaria ao teu nível de perversidade. Vou deixar nas mãos da justiça esse teu crime, pelo qual você será condenada. E espero que você se arrependa de tuas maldades, caso contrário terá como destino o inferno!
Depois que a mulher foi levada pela polícia, o homem dirigiu-se aos quatro amigos e à filha, dizendo:
— Nós vivemos em um mundo perverso e sem Deus, onde tudo deixou de ser sagrado. Até o próprio Deus está sendo desrespeitado e insultado. O mundo perdeu o sentido do sagrado em relação a tudo. Os Dez Mandamentos estão esquecidos e considerados coisas do passado, coisas antigas, coisas de velhos. Mas não são! Se vocês respeitarem estes mandamentos de Deus, serão pessoas boas neste mundo que não os respeita. Lembrem-se sempre, crianças, que o outro e tudo o que é do outro é sagrado, é intocável, é intangível. Nada devemos fazer contra a vida do outro, nem contra a fama do outro, nem contra o casamento do outro, nem contra os bens materiais do outro. Tudo deve ser considerado sagrado no que se refere ao outro. Vivam isso e o blasfêmia, a violência, o assassinato, as difamações, bullyng e fakes, a corrupção, o adultério e tantas outras violências vão desaparecer de suas vidas. Vocês sã muito jovens, mas estão entendendo o que eu estou dizendo?
As cinco crianças olharam umas para as outras e menearam afirmativamente as suas cabeças.
— E nunca se esqueçam de confiar em Deus! Se Ele não puder livrar vocês dos males, tenham certeza de que dará forças a vocês para enfrentarem as dificuldades da vida sem se perderem.
Ao partirem daquela casa, os quatro amigos levaram consigo uma lição que os acompanhará por toda a vida.
Nossos quatro pequenos heróis continuaram a caminhar ao longo da estrada de chão batido, que ia diminuindo em sua largura e se tornava a cada novo passo mais envolvida pela mata. Pedro, que sempre se encantava com a natureza e sua beleza, a todo instante chamava atenção dos companheiros para alguma árvore gigantesca ou diferente, ou para algumas flores selvagens, ou, ainda, para alguns animais, aves e insetos que encontrava.
O garoto, então, viu uma formação animal incrível, gritando para os amigos:
— Ei, pessoal, venham ver isto!
Os outros três se aproximaram e viram algo inédito. Entre duas grandes árvores, havia uma gigantesca teia de aranha, na qual se apoiavam dezenas... não, centenas de aranhas.
— Uau, que coisa estranha!
— Muito legal! Nunca vi nada igual!
— Será que é uma reunião de aranhas?
— Reunião? Isso parece mais uma convenção de aranhas.
E os quatro riram, enquanto continuavam a admirar aquela maravilha da natureza. Após alguns instantes, seguiram o caminho.
Pedro, ainda encantado com aquela natureza espetacular, continuava a olhar para todos os lados, buscando algo mais que lhe chamasse a atenção. De repente, viu um pequeno pássaro preto com uma crista vermelha, que parecia olhar fixamente para ele. O menino parou e ficou olhando para o passarinho, literalmente encantado por ele. A pequena ave foi pulando de galho em galho, de árvore para árvore, sempre voltando a encarar o menino que, sem perceber, começou a entrar na floresta fechada.
Quando os outros três perceberam que Pedro não estava mais com eles, começaram a gritar seu nome e voltaram um pouco no caminho para ver se o viam. Sofia foi a primeira que o viu, caminhando para dentro da mata.
— Lá está ele! — apontou para os outros dois. — Pedro, o que você está fazendo? Volta! É perigoso entrar nessa mata fechada.
Pedro, no entanto, parecia não ouvir o chamado da irmã. Juca e Tiago começaram a chamá-lo também, mas Pedro continuava a se afastar da estrada. Resolveram ir atrás dele para trazê-lo de volta. Mesmo já estando próximos a Pedro, por mais que o chamassem ou gritassem, ele não parava e nem se virava para eles. Tiago e Juca, então, o agarraram e o fizeram parar. Quando olharam para seus olhos, eles estavam parados, fixos, como se estivesse hipnotizado. Sofia, então, olhou para o irmão e o sacudiu fortemente, fazendo com que Pedro voltasse a si. Como se tivesse acordado de um sonho, o menino falou:
— O que houve? O que nós estamos fazendo aqui na floresta?
— Você entrou e nós te seguimos, porque você não respondia ao nosso chamado. Parecida estar hipnotizado.
Ainda meio confuso, Pedro lembrou-se:
— Ah, eu estava olhando um passarinho preto muito interessante, que parecia estar me encarando. Mas... o que aconteceu depois, não me lembro...
— E que passarinho é esse que você seguiu?
Pedro começou a olhar em volta, procurando a pequena ave, até que a viu pousada em uma árvore, um pouco adiante dos quatro.
— Veja, lá está ela!
Todos olharam para a avezinha, que começou a pular de galho em galho, como se estivesse se afastando do grupo.
— Ih — exclamou Juca, ela só tem uma pata, coitadinha!
Quando ouviu isso, Tiago falou:
— Vamos sair daqui agora e voltar para a estrada. Esse bicho quer que nos percamos na mata.
E como Tiago saiu correndo, os outros fizeram o mesmo, embora nem soubessem o porquê de estarem correndo.
Chegados à estrada, pararam para recuperar o fôlego. Por fim, o menino perguntou aos companheiros:
— Vocês sabem o que era aquele passarinho?
Nenhum sabia responder, pois para eles era apenas um passarinho sem uma perninha.
— Era o Saci Pererê disfarçado!
Ninguém falou nada naquele instante, mas em seguida, Juca, Pedro e Sofia começaram a rir.
— Não é para rir, pessoal! — disse Pedro, nervoso. — Não é brincadeira. Era o Saci Pererê, disfarçado de passarinho. Bem que a Valquíria nos alertou para não nos afastarmos da estrada, pois era perigoso.
— Saci, Pedro? Você deve estar brincando! Isso não existe, é lenda!
— Lenda, é? — replicou o garoto. — Então, por que é que o Pedro não nos ouvia quando gritávamos o seu nome? Viu como ele estava? Parecia hipnotizado... e estava. O capetinha o encantou para que ele se perdesse na mata.
Pedro, então, raciocinando, disse:
— É estranho!.... Eu acho que... pode ser sim... é sim... era o próprio Saci. Vocês reparam bem nele? Eu reparei. E muito bem! Ele era negro, tinha uma crina vermelha e apenas uma perna, igual ao Saci Pererê, que também é negro, usa um gorro vermelho na cabeça e tem apenas uma perna.
Ninguém mais teve coragem de dizer mais nada. Traçaram sobre si o sinal da cruz e seguiram o caminho pela estrada, um pouco mais aceleradamente do que antes devido ao medo que estavam sentindo.
— Cruz credo! - exclamou Pedro.
Já era de tarde e os quatro garotos continuavam a caminhar, sem encontrar o casebre do homem feio e mal. Conforme o sonho de Valquíria, eles foram passando por algumas casas humildes onde havia algum tipo de plantação, cultivadas por algumas pessoas que viram trabalhando a terra, que se intercalavam com a floresta.
— Será que nós não vamos encontrar o casebre do sonho da Valquíria?
— Não podemos andar muito mais. Já são mais de quatro horas da tarde e eu não quero passar a noite aqui na mata... não depois de tudo o que vimos hoje.
— Nem eu!
— E nossos pais vão ficar preocupados, pois nem falamos a eles para onde íamos.
— Vamos seguindo mais um pouco. Se em meia hora não encontramos o casebre e o homem, aa gente volta para casa e amanhã vamos vir de novo, mas agora com nossas bicicletas, para chegarmos rapidamente ao ponto onde pararmos hoje.
E foram caminhando. Já passava das quatro e meia da tarde, quando, finalmente, avistaram um casebre que se assemelhava muito ao que a Valquíria havia descrito. Animados, correram para lá.
Do lado de fora do casebre, havia duas menininhas brincando. Quando os quatro se aproximaram, as meninas correram e se esconderam atrás de umas madeiras que serviam de parede para o chiqueiro de porcos.
— Oi, lindinhas! — disse Sofia, tentando ganhar a confiança das meninas. — O papai de você está aí?
Ainda escondidas, olhavam por um vão entre as madeiras, sem responder. Não deviam estar acostumadas com estranhos, ainda mais naquele fim do mundo em que moravam.
Após vários minutos tentando conversar com as duas crianças, elas saíram do chiqueiro e foram se aproximando das visitas. Aos poucos, começaram a conversar com os quatro aventureiros animadamente.
As meninas estavam imundas, tão sujas quanto os porcos e as galinhas que ciscavam por ali, com roupas igualmente sujas e rasgadas. Pela aparência, podia-se pensar que nunca tomaram banho na vida.
— E onde está o papai de vocês, lindinhas? — perguntou Sofia.
— Ele saiu.
— E vocês sabem aonde ele foi?
— Ele foi na casa do pai Jacó.
— O pai Jacó é o vovô de vocês?
— Não, ele é o dono do centro.
— Centro? Que centro?
— Do centro onde o papai vai rezar.
Os quatro se entreolharam, dando a entender que tipo de centro era aquele em que o pai das meninas estava.
— E a mamãe de vocês, está em casa?
— Não, a mamãe virou estrelinha.
— E só o papai é que mora com vocês?
— Só... ele cuida da gente sozinho...
— Vocês sabem me dizer, lindinhas, se o papai de vocês trouxe alguma coisa diferente para casa ontem?
As meninas olharam uma para a outra e abaixaram a cabeça.
— Isso parece ser um “sim”. O que ele trouxe?
— A gente não viu. Estava escondido em um saco.
— Era grande?
— Do tamanho de uma laranja grande.
A irmã menorzinha, que até aquele instante não havia dito nada, cochichou alguma coisa no ouvido da maior.
— O que ela disse?
— Ela não sabe o que era, mas disse que brilhava... ela viu um pedaço por um buraco no saco.
— A coroa! — disse Tiago.
— Sim, a coroa! — exclamaram juntos Juca e Pedro.
— E vocês sabem onde o papai de vocês guardou aquele saco?
As meninas apenas acenaram um “não” com a cabeça.
— E agora? Já está ficando tarde. Precisamos encontrar logo para chegarmos em casa antes de escurecer.
— O jeito é irmos embora e voltar amanhã e ter a sorte de encontrar com o pai delas.
— Mas no sonho da Valquíria, o homem malvado não disse onde tinha guardado a coroa. E nem ia contar.
— É verdade!
— Mas o que podemos fazer?
— Nada! acho que temos que desistir.
— Desistir? De jeito nenhum... não depois do que passamos hoje até chegar aqui.
— Tem que haver um jeito de acharmos onde o homem escondeu a coroa.
Os quatro ficaram parados, sem nada falar, tentando pensar em algo. As duas irmãzinhas ficaram olhando para os quatro em silêncio.
De repente, o rosto do Tiago parecei iluminar-se e um grande sorriso surgiu em seu rm seu rosto>
—Já sei! tenho uma ideia!
Os três companheiros também ficaram felizes, mesmo se saber qual era a ideia.
— Eu ouvi falar que se a gente beber no mesmo copo que outra pessoa bebeu, a gente descobre os segredos dela.
O sorriso no rosto dos três desapareceu na hora.
— Ué! — exclamou Tiago. — Não custa nada tentar.
— Lindinhas, você tem um copo onde o papai de vocês costuma beber água.
A irmãzinha mais nova correu para dentro de casa e trouxe uma espécie de caneco feito com lata de molho de tomate, com uma alça feita do mesmo material, mas estava tão sujo que os garotos ficaram com nojo até de tocar nela.
— O papai de vocês bebe água nesse caneco imundo?
— É só esse que a gente tem.
— E quem vai beber nele? — quis saber Pedro. — Eu é que não vou.
— Eu tão pouco!
— E eu muito menos.
A única que não falou nada foi Sofia. Os três garotos apontaram para as menininhas e fizeram um gesto de mesura, oferecendo o lugar para a menina.
Sofia tentou recusar, mas os maninos não deixaram. Com muito nojo, ela pegou o caneco com a mão, na verdade, com a ponta dos dedos, segurando sem firmeza alguma na alça e foi até uma bica enchê-lo de água.
Os olhares dos cinco estavam fixados em Sofia.
A menina, como expressão de asco, tentava achar um lugar limpo no caneco onde poderia beber. Achou um pedacinho na borda, menos sujo que o restante do caneco. Mas conforme a menina ia tentando aproximar o caneco de sua boca, a cabeça da menina ia para trás devido ao nojo que estava sentindo. Finalmente, quase vomitando de asco, seus lábios tocaram o caneco e ela bebeu um gole da água. Na mesma hora, seu rosto se iluminou e ela gritou:
— Já sei onde está!
E correu para o galinheiro. Debaixo de um monte de mato seco, sobre o qual estavam algumas galinhas, a menina achou o saco velho e imundo. Abrindo-o, mostrou a coroa de Nossa Senhora para os seus companheiros. Guardando a coroa dentro de uma das mochilas, os quatro saíram correndo pela estrada em direção a seus lares. Quando chegaram, cansados, o sol ia declinando e a noite foi escurecendo tudo. Naquela noite, após o jantar, cada um foi para a cama muito cedo, dormindo um pesado sono devido ao cansaço daquele dia, mas com um sorriso de satisfação estampado em seus rostos.
No dia seguinte, quando entregaram a coroa ao padre, os quatro foram tratados como heróis. Indagados a respeito do lugar em que haviam encontrado a coroa roubada foi encontrada, apenas respondiam:
— Foi pura sorte! Encontramos dentro de um galinheiro.
E não diziam mais nada, pois sabia que ninguém acreditaria se contassem o que aconteceu no dia anterior.
No último domingo daquele mês de maio, a igreja estava cheia de fiéis para participarem da coroação de Nossa Senhora. A notícia do roubo e do encontro da coroa atraiu muitos curiosos, que também queriam ver os quatro garotos que salvaram a coroação. Eles participaram do rito de coroação vestidos de anjinhos e os três elevaram Sofia para que ela alcançasse a cabeça de Nossa Senhora e a coroasse como Rainha dos Cristãos. Valquíria entoou um lindo canto a Nossa Senhora. Por mais que tentassem segurar as lágrimas, os quatro choraram de emoção, levando o povo presente a se emocionarem com eles.
Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santos
26-27 de agosto de 2024
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