Era uma vez uma linda princesa, seu pai amoroso, sua madrasta invejosa, um príncipe encantado, uma fada boazinha e uma bruxa malvada que assim o foram para sempre, esquecidos dentro de um livro guardado na estante da sala da fazenda onde, um dia, nasceu uma ninhada de cães perdigueiros. Como é natural, esses cães estavam destinados a ser caçadores.
Entre os filhotes, havia um que, ao abrir os olhos pela primeira vez, viu algo que o impressionou para toda a vida: um galo.
Pois esse cachorrinho abriu os olhinhos logo que o dia ia amanhecendo e viu, em cima do telhado do celeiro, o galo que toda manhã ali subia para cantar e acordar todos os mora-dores da fazenda.
“Que maravilha!”, pensou consigo. “Quando eu crescer quero ser igualzinho a ele”.
Só que ele não sabia que um galo é um galo e um cachorro é um cachorro, e como ele havia nascido cachorro, e perdigueiro, ainda por cima, estava destinado a ser caçador.
Mas não houve jeito de interessar o cachorrinho na arte da caça. O que ele queria mesmo era aprender a cantar como galo.
Para os donos da fazenda, aquele filhote era problema que não sabiam como resolver, afinal, ele não aprendia nada do que lhe ensinavam, enquanto os demais já se mostravam excelentes caçadores desde pequenos.
Para os pais, ele era uma vergonha que ia contra toda a tradição da família.
Por essa razão, o filhote passou a ser desprezado por todos, homens e animais.
Como se sabe, mãe é sempre mãe e nunca abandona um filho e, por isso, a mãe perdigueira passava grande parte de seu tempo livre tentando convencer seu filho a se dedicar à caça e desistir da idéia de ser um galo cantor.
— Mas por que não posso ser cantor, mamãe? — perguntava o pequeno perdigueiro.
A mãe, com toda a paciência, explicava o que sabia:
— Porque todos os seres nascem para fazer determinadas coisas e não outras. A laranjeira, por exemplo, nasceu para dar laranja.
— E por que não pode dar maçã? — queria ele saber.
— Por que ela só sabe dar laranja! – respondia a mãe.
— E por que ninguém ensina pra ela como dar maçã? — continuava querendo saber o cãozinho.
A mãe, coitada, ficava de pêlo branco com tanta pergunta que não acabava mais.
Um dia, para tentar fazer entender a seu filho que cada um nasce só para certa coisa, a perdigueira contou a fábula do sapo que queria ser grande como o boi.
Um sapo, vendo um boi enorme (comparado ao seu pequenino tamanho), resolveu que queria ficar tão grande quanto ele.
Virou-se para seu irmão sapo e disse, enchendo o peito de ar:
— E então, maninho, acha que estou grande como o boi?
— Que nada! Ainda falta muito.
O sapo encheu mais o peito e tornou a perguntar:
— E agora, maninho, já estou do tamanho do boi?
— Nem chegou perto! —respondeu-lhe o outro sapo.
E o sapo foi enchendo e enchendo e enchendo o peito até que... estourou!
A mãe-perdigueira, ao terminar a história, disse ao filhote:
— Está vendo, meu filho, o que pode acontecer com quem quer ser o que não é?
O cãozinho ficou olhando meio assim para a mãe, com o canto dos olhos, muito desconfiado dessa história. E disse por fim:
— Não sei não, mamãe, mas isso está me cheirando a história pra boi dormir... sossegado!
Desanimada, a mãe se afastou, deixando o filho sozinho, o qual logo saiu correndo pelo campo atrás do velo galo, para que este o ensinasse a cantar. O galo, cansado de tanta insistência, tentava ensinar o canto do galo ao perdigueirozinho, mas o mais que conseguia era ouvir um uivo.
Certa manhã, o cãozinho acordou e viu que o sol já estava alto e que ninguém havia acordado. Olhou para o alto do celeiro e não viu o galo. Correu para o puleiro dele e encontrou-o morto de velhice.
Ficou sem saber o que fazer. O galo estava morto, o dia já havia nascido e todos ainda dormiam. Só havia um jeito: ele acordaria todo mundo. Ele, finalmente, teria a função do galo cantor.
Vendo uma escada que subia até o telhado do celeiro, com muito esforço subiu por ela, alcançou o alto e começou a cantar... ou melhor, a uivar.
Em pouco tempo, todos acordaram e, vendo o adiantado do dia, começaram a correr de um lado para outro para compensar o tempo perdido.
O cãozinho, pensando que seria agradado por acordar todo mundo, teve a maior decepção, pois, além de não lhe darem atenção, houve quem o xingasse de louco por estar uivando àquela hora.
Alguém achou o velho galo morto, outros o enterraram e comentou-se que seria necessário arranjar um outro para não perderem a hora de novo. Mas esqueceram-se disso.
No dia seguinte, aconteceu a mesma coisa. O cachorrinho acordou e viu que não havia galo nenhum para acordar a fazenda. Subiu nova-mente ao telhado e uivou, procurando assumir o papel do galo morto.
Todos acordaram e xingaram o cachorro.
Como nesse dia ninguém perdeu a hora, um homem falou que já estavam acostumados a acordar cedo e, por isso, não precisavam se preocupar mais em arranjar outro galo. O hábito os acordaria.
Ouvindo essa conversa, o cachorrinho começou a rodear o homem que falava e latiu para lembrar-lhe que ele é que havia acordado todo mundo. Mas a resposta que recebeu foi um pontapé seguido de um:
— Sai daqui, cão inútil!
Não é nem preciso dizer como o pequeno perdigueiro ficou triste. Com o rabo no meio das pernas, foi para junto da sua mãe choramingar.
— Não fique triste, meu filho. Você nasceu cão e o jeito é você se conformar em ser um cão de caça.
— Eu não gosto de caçar, mamãe! Eu queria era trabalhar como galo cantor!
— Mas você não é galo!
— Qual o problema? — retrucou o pequeno. Quando um trabalho precisa ser feito, o importante é quem faz ou o que se faz?
Espantada com aquela resposta que era uma pergunta, a mãe ficou sem saber o que responder.
Na manhã seguinte, ainda muito triste, o cachorrinho não subiu ao telhado. E todos perderam a hora.
Novamente comentaram que seria necessário comprar um galo. Mas o trabalho atrasado fez com que esquecessem disso.
Numa última tentativa de mostrar seu valor, no dia seguinte, o cachorrinho subiu ao telhado e uivou. E todos acordaram.
Alguém já ia xingar o cãozinho, quando um outro falou:
— Não o xingue! Não vê como estamos cegos? Este cãozinho não nasceu para caçador. Nasceu para a função do galo cantor. Não devemos ir contra a sua natureza!
— É verdade! — exclamou um terceiro. Não vê que foi ele que nos acordou desde que o galo morreu; e quando ele não uivou, nós perdemos a hora? E olhe como ele está alegre lá em cima!
Assim, todos começaram a olhar para o cachorrinho com outros olhos, havendo até quem lhe fizesse um agrado na cabeça, dizendo:
— Muito bem, cãozinho esperto!
A partir desse dia, pela sua persistência, o cãozinho perdigueiro passou a viver como o velho galo cantor.
E igual ao final dos contos daquele livro esquecido na estante da sala da fazenda, esta história termina com o cachorrinho sendo feliz para sempre.
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