O VELHO CORADO, A FLOR COLORIDA E A CIDADE CINZENTA


“Quem tem ouvidos para ouvir, ouça!” ( Mc 4, 9 )

“Todo corpo persiste em seu estado de repouso,
ou de movimento retilíneo uniforme,
a menos que seja compelido a modificar esse estado
pela ação de forças sobre ele”
( Isaac Newton )


O velho jardineiro alegre e corado acordou certa manhã e pensou: Está na hora de semear.
O velho jardineiro alegre e corado levantou-se, foi para a estufa, encheu centenas de vasos com terra, adubou-a e semeou-a, não com a semente de uma planta qualquer, mas com uma muito especial que tinha obtido após paciente trabalho de enxerto, no qual extraiu de cada flor que conhecia a sua essência de beleza e perfume.
Depois de aguar todos os vasos, o velho jardineiro alegre e corado pensou: Está na hora de costurar.
O velho jardineiro alegre e corado voltou para casa, abriu um grande e antigo baú e dele retirou uma imensidão de tecidos coloridos, que cortou em retalhos, jogando fora os pedaços ruins e passando a unir, pacientemente, pedaço por pedaço, os retalhos escolhidos.
À medida que os retalhos de tecidos coloridos iam sendo juntados, as sementes iam germinando. Dia-a-dia, cresciam as plantas e tomava forma a costura do velho jardineiro alegre e corado. Nas plantas surgiram botões quando os tecidos coloridos estavam terminando. E abriram flores coloridas quando o velho jardineiro alegre e corado terminou a sua costura, colorida.
Então, o velho jardineiro alegre e corado pensou: Está na hora de partir.
O velho jardineiro alegre e corado colheu todas as flores coloridas brotadas em sua estufa e colocou-as num enorme cesto de vime.


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A cidade estava cinza e triste como sempre, com seus cidadãos tristes e cinzas como sempre.
Uma pessoa triste e cinza olhou para o céu da cidade cinza e triste e viu o balão — um enorme balão colorido em forma de flor, carregando um enorme cesto em forma de vaso.
— Vejam! Um enorme vaso voador! — gritou a pessoa triste e cinza e, agora, espantada.
Quem passava próximo também olhou para cima e viu o enorme vaso voador e ficou, além de triste e cinza, espantado. Em pouco tempo, toda a cidade triste e cinza olhava o enorme vaso voador, espantada.
Dentro do balão colorido, que subia pouco a pouco, o velho jardineiro alegre e corado via toda a cidade cinza e triste, com seus habitante tristes e cinzas, olhando para cima, espantados. E o velho jardineiro alegre e corado começou a espalhar suas flores coloridas sobre a cidade cinza e triste.
À medida que as flores coloridas se espalhavam e caíam sobre a cidade cinza e triste, ela ia ficando colorida. E o povo triste e cinza, que via as flores coloridas caírem do enorme vaso voador, atiradas pelo velho jardineiro velho e corado, ia-as recolhendo. Algumas pessoas recolhiam as flores coloridas e se enfeitavam; outras recolhiam as flores coloridas e enfeitavam seus filhos; outras, que não tinham filhos, recolhiam as flores coloridas e enfeitavam seus cães e gatos. Logo, logo, o povo triste e cinza estava alegre e colorido, recolhendo mais flores coloridas para se enfeitar e ficar ainda mais alegre e colorido; ou para enfeitar seus filhos, agora alegres e coloridos, e torná-los ainda mais alegres e coloridos; ou, aqueles que não tinham filhos, para enfeitar seus cães e gatos, também agora alegres e coloridos, e torná-los ainda mais alegres e coloridos.
Estava o povo tão alegre e colorido, recolhendo as flores coloridas, que não percebeu que o enorme vaso de flor ia subindo com o velho jardineiro alegre e corado. Subindo e diminuindo. Subindo e parecendo um pequeno vaso de flor. Subindo até desaparecer.
Estava o povo tão alegre e colorido, recolhendo as flores coloridas, que não percebeu que o céu da cidade, agora colorida e alegre, não tinha mais flores coloridas e estava novamente cinza e triste.
O povo, agora alegre e colorido, viu as flores coloridas que recolheu irem murchando e secando, pouco a pouco. E quando as flores coloridas murcharam, secaram e perderam a cor, o povo, que tinha sido alegre e colorido, voltou a ficar triste e cinza.

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A cidade estava cinza e triste como sempre, com seus cidadãos tristes e cinzas como sempre.
Na verdade, a cidade cinza e triste não estava cinza e triste como sempre. Isso porque algumas pessoas tristes e cinzas, que tinham sido alegres e coloridas, perceberam que, dentro das flores murchas e secas, que tinham sido coloridas, havia uma semente.
E essas pessoas cinzas e tristes, que tinham sido alegres e coloridas, plantaram as sementes das flores murchas e secas, que tinham sido coloridas, e essas sementes germinaram. Germinaram e deram flores coloridas, que tornaram essas pessoas tristes e cinzas novamente alegres e coloridas.
A cidade estava cinza e triste, mas não como sempre, porque em algumas janelas havia um vaso com flores coloridas, e entre os cidadãos tristes e cinzas circulavam alguns, alegres e coloridos.
E, de vez em quando, aparece no meio da cidade cinza e triste mais uma janela colorida: é de alguém triste e cinza que lembrou que um dia tinha sido alegre e colorido e, sentindo saudades daquele tempo, procurou uma semente da flor colorida e a cultivou.

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